Há quem não goste muito da ideia de coquetel injetável. Afinal, muitos têm medo de injeção, são intolerantes à dor e/ou não gostariam de ter que se deslocar todo mês (ou a cada 2 meses) a um serviço de saúde para receber as aplicações.
Porém muitas pessoas gostariam de tomar as injeções periodicamente e não ter que pensar mais em remédio. A quem gosta de viajar ou frequentemente não dorme em casa, haveria a vantagem de não ter de carregar comprimidos.
Também seria uma opção atraente àqueles que não compartilharam o diagnóstico com familiares. O tratamento injetável lhes possibilitaria maior privacidade.
Outras populações que se beneficiariam são pessoas submetidas a cirurgia bariátrica ou que padecem de outras condições que levam a uma absorção intestinal reduzida dos antirretrovirais. Também as pessoas que têm dificuldade para tomar comprimidos, seja por demência, seja por quadros neurológicos outros que prejudiquem a capacidade de deglutição.
Por fim, existem populações com sérios problemas de adesão, como usuários de drogas, pessoas em condição de rua e imigrantes. A disponibilidade de medicamento injetável permitiria um tratamento supervisionado dessas pessoas.
Outra vantagem é que o Cabenuva® é uma terapia dupla, ou seja, 2 drogas ao invés de 3. Por conseguinte, o potencial de efeitos colaterais e interações medicamentosas é menor. Isto é particularmente bom em pessoas com comorbidades.
O Cabenuva® ainda não foi aprovado pelo FDA, nem pelo EMA, muito menos pela ANVISA. Por enquanto, só pelo governo do Canadá. Sendo assim, não é possível adquirir essa medicação no Brasil.
Que medicamentos são esses?
Cabotegravir é um inibidor de integrase. Ele bloqueia a enzima integrase, que é responsável por costurar o DNA viral ao cromossoma humano. A molécula do cabotegravir é muito semelhante (quase idêntica) à molécula do dolutegravir.
A rilpivirina é um inibidor da transcriptase reversa não-nucleosídeo. Ela bloqueia a enzima transcriptase reversa, que é responsável por fabricar o DNA viral a partir do RNA (processo denominado “transcrição reversa”). Temos no SUS 3 medicamentos que pertencem a essa classe: o efavirenz, a nevirapina e a etravirina.
Cabotegravir e rilpivirina são administrados na forma de pequenos cristais em suspensão. Quando injetados no músculo, esses antirretrovirais vão sendo liberados lentamente pelos cristais.
O volume de injeção é alto: 3 mL de cabotegravir + 3 mL de rilpivirina na primeira aplicação.
Depois 2 mL de cabotegravir + 2 mL de rilpivirina nas aplicações subsequentes.
São duas injeções no glúteo: uma de cabotegravir, outra de rilpivirina.
A queixa de dor é muito comum, sobretudo após a primeira aplicação. A dor persiste, em média, por 3 a 7 dias.
Exige-se o uso das medicações por via oral durante 4 semanas antes de a primeira aplicação ser feita. Nós chamamos esse período de lead-in ou fase introdutória. A finalidade é avaliar se a pessoa tem algum tipo de alergia aos compostos.
Isto porque, uma vez aplicados, os antirretrovirais não podem ser removidos. Então é necessário ter certeza que a pessoa não é alérgica a eles. Daí o uso por via oral durante 4 semanas antes da primeira aplicação.
Pessoas com obesidade podem não atingir um nível adequado das medicações no sangue e precisam de um monitoramento assíduo. Nos estudos realizados até agora, ocorreram algumas poucas falhas terapêuticas, em que o nível sanguíneo das medicações estava baixo, apesar de uma adesão de 100%. No estudo FLAIR, todos os casos de falha ocorreram em pessoas com obesidade.
Vamos então aos estudos fase 3 realizados:
Estudo FLAIR
O estudo FLAIR é um estudo fase 3 que avaliou o uso injetável de cabotegravir + rilpivirina a cada 4 semanas em pessoas portadoras de HIV que nunca tomaram coquetel (virgens de terapia).
Os participantes do estudo receberam o Triumeq® (coformulação de lamivudina + abacavir + dolutegravir em 1 comprimido diário) durante 16 semanas. Em caso de impossibilidade do uso de abacavir, foi autorizado o uso de outros antirretrovirais, mas sempre combinados com dolutegravir.
Continuaram no estudo todos os participantes que estavam indetectáveis na semana 16 de uso do coquetel.
A partir desse momento, os participantes foram divididos em 2 braços: Um braço do estudo continuou recebendo o mesmo coquetel por via oral. O outro braço passou a receber cabotegravir + rilpivirina por via oral, durante 4 semanas (fase introdutória ou lead-in). Em não havendo nenhuma reação alérgica, receberam, ao fim dessas 4 semanas, a primeira dose de cabotegravir + rilpivirina injetável, interrompendo o uso por via oral. A primeira dose envolveu um volume maior: 3 mL de cada um dos dois, em 2 injeções. Depois, na fase de manutenção, esse braço passou a receber cabotegravir + rilpivirina injetável a cada 4 semanas, podendo antecipar ou atrasar 1 semana, em um volume menor: 2 mL de cada um dos dois.
283 pessoas receberam o coquetel por via oral. 278 receberam cabotegravir + rilpivirina injetável. Foram então acompanhados por 48 semanas.
Ao fim dessas 48 semanas, 2,1% dos que receberam cabotegravir + rilpivirina estavam com carga viral detectável contra 2,5% dos que continuaram com a terapia oral.
O estudo concluiu que não houve diferença entre a terapia tripla tradicional por via oral e a terapia dupla injetável com cabotegravir + rilpivirina.
Estudo ATLAS
O estudo ATLAS é um estudo fase 3 que avaliou o uso injetável de cabotegravir + rilpivirina em portadores de HIV que já estavam em tratamento, com carga viral indetectável.
Todos os participantes já estavam em tratamento do HIV, em uso de terapia tripla oral, com carga viral indetectável. Um dos braços continuou com a terapia tripla oral (coquetel tradicional). O outro braço mudou para cabotegravir + rilpivirina.
O braço em que houve a troca do coquetel tradicional por cabotegravir + rilpivirina recebeu essas medicações primeiramente por via oral, durante 4 semanas (lead-in ou fase introdutória). Não havendo nenhuma reação, receberam a primeira aplicação: 3 mL de cabotegravir + 3 mL de rilpivirina, em 2 injeções. A partir de então, passaram a receber as aplicações a cada 4 semanas, em um volume menor: 2 mL de cada um dos dois.
Ao todo foram 308 pessoas que continuaram com a terapia oral tradicional. Enquanto que 308 migraram para cabotegravir + rilpivirina injetável.
Após 48 semanas de acompanhamento, 1,6% dos participantes que receberam terapia injetável estavam com carga viral detectável contra 1,0% dos que persistiram com a terapia oral.
O estudo concluiu que não houve diferença entre continuar com a terapia oral ou mudar para a terapia injetável.
Estudo ATLAS-2 M
Os resultados desse estudo foram apresentados no CROI deste ano.
Os participantes, em grande parte, vieram do estudo ATLAS. Todos eles em uso regular de terapia antirretroviral, seja oral diária ou injetável a cada 4 semanas, com carga viral indetectável.
A quem estava tomando a terapia oral, foi oferecida a possibilidade de ingressar no estudo. Essas pessoas receberam cabotegravir + rilpivirina por via oral durante 4 semanas antes da primeira aplicação. A primeira aplicação foi em um volume maior: 3 mL de cabotegravir + 3 mL de rilpivirina.
Um braço do estudo recebeu cabotegravir + rilpivirina injetável a cada 4 semanas, no volume de 2 mL + 2 mL. O outro braço recebeu cabotegravir + rilpivirina injetável a cada 8 semanas, no volume de 3 mL + 3 mL.
Ao todo, 522 pessoas receberam injeções mensais, enquanto que 523 receberam injeções a cada 2 meses.
Ao fim de 48 semanas de observação, verificou-se que a carga viral estava detectável em 1,7% dos que receberam injeções mensais contra 1,0% dos que receberam injeções a cada 2 meses.
Portanto, não houve diferença entre os braços.
Conclusão
A terapia dupla injetável com cabotegravir + rilpivirina é tão eficaz quanto o coquetel oral tradicional. Já está aprovada pelo governo do Canadá. Está sendo avaliada pelo EMA e por outras agências reguladoras. Ainda não aprovada pela ANVISA.
A periodicidade das aplicações pode ser a cada 2 meses em pessoas que estejam com carga viral indetectável.
Surge como mais uma opção de terapia dupla e como opção de terapia injetável completa.
Referências bibliográficas:
SWINDELLS S, ANDRADE-VILLANUEVA JF, RICHMOND GJ, et al. Long-acting cabotegravir and rilpivirine for maintenance of HIV-1 supression. N Engl J Med 2020; 382 (12): 1112-23.
ORKIN C, ARASTEH K, GÓRGOLAS-HERNÁNDEZ-MORA M, POKROVSKY V, et al. Long-acting and rilpivirine after oral induction for HIV-1 infection. N Engl J Med 2020; 382 (12): 1124-35.
OVERTON ET, RICHMOND GJ, RIZZARDINI G, et al. Cabotegravir + rilpivirine every 2 months is noninferior to monthly: ATLAS-2M study. CROI 2020. Abstract 34.
Fonte: Blog Dr. Carlos Leão