A Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids(RNP+Brasil) é um movimento de pessoas com HIV/AIDS, criado a partir de 1995 e constituído nacionalmente, sem vínculopolítico-partidário e religioso, que atua na promoção do fortalecimento das pessoas sorologicamente positivas para o HIV independente de gênero, orientação sexual, credo, raça/cor, ou etnia e nacionalidade fortalecendo individualmente e coletivamente as pessoas vivendo com HIV e AIDS em todas as regiões do país.
No dia 11 de outubro do ano corrente, explodiu nas mídias sociais e na imprensa televisiva o caso de 6 pacientes que receberam transplantes de órgãos infectados com o HIV. O total absurdo cometido pelo laboratório de patologia clínica Doutor Saleme, situado na cidade do Rio de Janeiro/RJ tomou proporções internacionais e mostrou o verdadeiro descaso com a saúde pública do estado do Rio de Janeiro, resultando na infecção de 6 pessoas que aguardavam por órgãos para seguirem vivendo.
Precisamos deixar nítido para a população e gestão que o laboratório PCS Lab Saleme, responsável pelos laudos fraudulentos de testes falso-negativos que permitiram essa infecção, foi contratado pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro em 2023 e já foi interditado pela Anvisa. Isso nos mostra o quanto precisamos de Leis Sanitárias e de responsabilização do setor privado, que historicamente recebe recursos do SUS por serviços de péssima qualidade, e na hora da crise quem acaba sendo responsabilizada primeiramente é a gestão do SUS.
A defesa intransigente de linhas de frente que venham garantir a SEGURANÇA do sangue e de transplantes, do Sistema de Vigilância Epidemiológica que é realizado nos Estados com diversos testes rotineiros (HIV, HV, HTLV, IST, outros), como componente essencial do SUS nas redes de saúde da atenção básica, na rede de atenção especializada, nos hospitais e laboratórios particulares, e da dignidade e direitos das PVHA, deve ser a principal diretriz, hoje e sempre.
É imperativo fortalecer os espaços de controle social como os Conselhos de Saúde para monitoramento de contratos e convênios firmados pelas gestões, incidindo sobre possíveis cláusulas de indenização a usuários e usuárias, quando o setor privado comete CRIMES e coloca nossa vida e saúde em risco.
O Ministério da Saúde precisa revisar a portaria que regulamenta o Sistema Nacional de Transplantes, com a criação de normas específicas para definir quais laboratórios poderão realizar os testes relacionados aos transplantes de órgãos e que potencialize a fiscalização. Fortalecendo assim, o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) que é responsável pela regulamentação, controle e monitoramento do processo doação e transplantes realizados no país, salvando vidas e dando esperança para milhares de pessoas.
A Política Nacional de HIV/AIDS/Hepatites virais e outras ISTs precisa garantir a assistência e tratamento integrais e GRATUITOS pelo SUS a todas as PVHA, fortalecendo o acesso a cuidados em saúde mental e psiquiatras nos SAE. Sabemos o quanto o estigma e a discriminação impactam em nossas vidas, e a atual Rede de Saúde Mental disponível no SUS não tem conseguido atender nossas demandas que requerem o sigilo sorológico e acesso rápido e seguro neste sentido.
Desde a Lei 9.313/1996 (acesso gratuito aos antirretrovirais), o governo brasileiro e a sociedade civil vem lutando para mudar as tendências da epidemia, e que é preciso REFORÇAR a luta contra a AIDS através do cumprimento das METAS da UNAIDS 95/95/95, como forma de que até 2030 o Brasil possa chegar ao controle efetivo da epidemia, já que este caso demonstra nitidamente que existem parcelas populacionais que não acessam a testagem, não sabem sua sorologia, numa época que temos todas as condições científicas e técnico-organizacionais de impedir a transmissão comunitária e reduzir pouco a pouco as pessoas que se infectam anualmente (43.403 casos HIV e 36.753de Aids – 2022)
É um total absurdo que pessoas sejam infectadas por HIV em transfusões de sangue e transplantes? SIM É! E deve ser noticiado para que os responsáveis por este crime sejam devidamente punidos nos rigores da lei. Questionar a responsabilidade do órgão fiscalizador também é necessário. E o Ministério da Saúde deve rever os protocolos de biossegurança para evitar que isso ocorra novamente. Mas a notícia também deve vir atrelada às informações atualizadas sobre HIV/AIDS e sempre com um teor de humanização de nossos corpos e vHIVências, sem estigma e sem discriminação. É lamentável ver a imprensa enfatizando, de forma sensacionalista, o HIV como uma sentença de morte, e não cumprindo seu papel de informar que a ciência já avançou bastante afirmando que I=I (INDETECTÁVEL = INTRANSMISSÍVEL, zero risco de transmissão do HIV por via sexual) e que o tratamento é eficaz!
Afirmamos e defendemos que não foram PVHA cientes de sua sorologia que geraram estes incidentes de infecção, pois os doadores de órgãos NÃO SABIAM que estavam infectados com o HIV. Sem o conhecimento sorológico é impossível tratar e chegar ao I=I, o que nos permite dizer que precisamos aumentar a testagem sobre a população em geral, como forma de estimularmos a estratégia do TESTAR E TRATAR para evitar casos como este, principalmente sobre a população HETEROSSEXUAL, que não se sente sob vulnerabilidade.
A rede assistencial deve acolher de forma significativa as pessoas que foram afetadas por essa irresponsabilidade criminosa do laboratório PCS Lab Saleme, diminuindo a carga de estigma e discriminação que nós pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) sofremos no dia a dia, abrindo debate amplo sobre o I=I e a necessidade de não culpabilização /criminalização das PVHA, como já sugerem algumas notícias inverídicas que surgiram nos últimos dias.
Diante do exposto, ressaltamos que é inadmissível que, em um país com avanços importantes na prevenção, no diagnóstico e no tratamento do HIV, situações como essa ainda ocorram. Exigimos que os responsáveis sejam punidos nos rigores da lei e que medidas urgentes sejam tomadas para garantir que esse tipo de crime nunca mais aconteça.
Reafirmamos o compromisso com a vida, dignidade, segurança e direitos de todas as pessoas que vivem com HIV/AIDS do Brasil.
RNP +Brasil – Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids
16 de outubro de 2024
Baixe AQUI o pdf da carta de repúdio