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08/12/2022

Corte no orçamento ameaça políticas públicas contra HIV/Aids no Brasil

Orçamento de Bolsonaro (PL) para 2023 prevê um corte de R$ 407 milhões na verba

Apesar dos grandes avanços registrados no tratamento da doença, o vírus HIV continua sendo transmitido no país. Em 2021 foram registrados 40,8 mil novas infecções e 11,2 mil óbitos relacionados à Aids, de acordo com o Ministério da Saúde.

Paralelamente, houve um declínio das políticas públicas que, no passado, fizeram do Brasil uma referência internacional no enfrentamento da epidemia de HIV/Aids. Em uma carta destinada à equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a RNP+Brasil (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids) listou uma série de demandas com o objetivo de recuperar parte das ações desmobilizadas nos últimos anos.

Além da reconstituição do orçamento para o enfrentamento da epidemia em 2023, a RNP+Brasil cobra a incorporação de novas tecnologias de tratamento, a expansão do acesso à Prep. (Profilaxia Pré-Exposição), a retomada de campanhas de prevenção em meios de comunicação e o retorno do financiamento de pesquisas.

“É como se a gente estivesse entrando em uma fazenda de terra arrasada, onde tudo foi desmatado e agora tem que replantar pezinho por pezinho. A gente espera que o Congresso tenha sensibilidade para recompor o orçamento de 2023”, analisa o ativista Moysés Toniolo, coordenador de Direitos Humanos da RNP+ Bahia.

Toniolo ressalta que o corte orçamentário não deve afetar a compra dos medicamentos já utilizados no tratamento do HIV no país. Por outro lado, ações importantes estão ameaçadas, como a aquisição de testes de detecção e a realização de exames laboratoriais como o de acompanhamento da carga viral.

Isso ocorre porque o SUS (Sistema Único de Saúde) está presente desde a etapa de prevenção, com a distribuição de insumos como preservativos e lubrificantes, passando pelo diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes. O enfrentamento ao HIV/Aids exige a coordenação de uma extensa rede formada por profissionais de saúde, espaços de testagem e de dispensação de medicamentos.

Em outubro, relatos de falta de um dos antirretrovirais utilizados, a lamivudina, mobilizaram as redes sociais. Segundo informou o Ministério da Saúde à época, a diminuição dos estoques do medicamento não estava relacionada ao corte de verbas, mas ao aumento acima do previsto na prescrição da substância.

Em novembro, questionado sobre o impasse orçamentário, o ministério afirmou que nenhuma política pública será interrompida. “A pasta está atenta às necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as adequações necessárias na proposta orçamentária para 2023”, declarou.

A partir da posse do governo eleito, a expectativa é de que haja mais abertura para o diálogo, diante do histórico da gestão Lula no enfrentamento à epidemia entre 2003 e 2010. “Nós tivemos, em quatro anos deste governo, um apagamento total de pautas, principalmente ligadas à população LGBTQIAPN+. A esperança do movimento é que a gente recoloque muitas coisas no lugar”, conclui Toniolo.

Políticas públicas na prática

Há quase 13 anos, Sabrina Luz recebeu o diagnóstico de Aids. “Passei um bom tempo sentindo sintomas e não descobria o que era. Naquela época era bem mais difícil ouvir alguém falar sobre o HIV, buscar informação”, relembra a moradora de Caucaia (CE), na região metropolitana de Fortaleza. Hoje, aos 40 anos, ela utiliza as redes sociais para disseminar as informações que faltaram à época de seu diagnóstico.

Pessoas vivendo com o HIV que estejam em tratamento e com carga viral indetectável há mais de seis meses não transmitem o vírus, como é o caso de Sabrina, há 10 anos. A cada seis meses, a ativista volta ao médico para fazer novos exames — tudo pelo SUS. “Graças a Deus o tratamento todo é oferecido pelo SUS, porque se não fosse ele não sei como seria. É um tratamento muito caro e a gente não teria condição de comprar medicação, fazer exames, ir às consultas”, explica.

Luz diz que decidiu falar abertamente sobre ser uma pessoa que vive com HIV para ajudar a quebrar os estigmas que ainda rondam a doença: “Existem aquelas pessoas que fazem seu tratamento direitinho e conseguem trabalhar, construir uma família, ter uma vida como qualquer outra pessoa. Então pensei em mostrar esse lado que muitas pessoas ainda não conhecem. Apesar de viver com HIV, isso não me impede de construir tudo aquilo que eu planejo.”

Sabrina Luz, 40, convive com Aids há quase 13 anos e tem um canal no Instagram onde fala sobre o tema

Foto: Reprodução/Instagram

Atualmente, muitos avanços são observados no tratamento da doença, aponta o infectologista Dyemison Pinheiro, que trabalha em um serviço de atenção especializada na capital paulista. São terapias com cada vez menos efeitos adversos e com duração cada vez maior que proporcionam qualidade de vida a pessoas que vivem com o vírus. O preconceito, contudo, ainda persiste. “Seria muito bom se a gente tivesse um avanço dessas questões de entendimento, questões sociais, que caminhasse junto com os avanços tecnológicos e biomédicos”, reflete Pinheiro.

Entre os desafios observados pelo infectologista no enfrentamento ao HIV/Aids estão a capacitação de profissionais da saúde e a efetivação do acesso a essas políticas públicas por populações mais desassistidas, como a de trans e travestis. “Hoje temos a PreP, por exemplo, que é uma ótima opção preventiva frente ao HIV. Mas a grande maioria dos que utilizam PreP são homens gays cisgênero, pessoas brancas e com escolaridade alta, que são justamente as que não mais morrem por HIV ou complicações da Aids no Brasil”, exemplifica.

Para Pinheiro, falar sobre o assunto é uma das formas de combater o preconceito. “Todo mundo se beneficia de uma política de HIV/Aids efetiva, com informação, que atrele também questões relativas à sexualidade. Discutir esses temas é de suma importância para que a gente diminua o estigma.”

Fonte: Agência Diadorim 

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