Primavera de 2017
Nair Brito (*)
Sabe, hoje eu sei o que é viver. Tenho AIDS.
Os amigos e amigas que conheci e que partilham dessa mesma história de 26 anos de diagnóstico me ensinam coisas sobre a vida, e fazem valer cada passo dela.
Amor simples, complexo, amizade de laço firme, olhares que se encontram e se reconhecem mesmo depois de longos anos longe, ideias novas e velhas juntas rememoram o passado, inquietam ou acalmam o presente e iluminam caminhos para o futuro.
Reunidos acompanhamos o rumo da nossa história sem ficar de fora. Com lápis e papel na mão, ou para os mais adiantados os ligeiros dedos no teclado anotam e publicam o que não está bom e indicam o que melhor seria.
Um quarto e mais um tanto do século 20 conheceu e foi sacudido por essa gente que nem esperança de viver tinha, mas a criou. Pensa sociedade, arte, ciência, saúde, educação, política de um jeito que caiba gente brasileira, isto é, diversa em gênero, etnia, cor e orientação sexual. Avançou, inaugurou novos rumos. A vida ficou possível.
Tecemos redes e movimentos. Cada um emprestando seu fio. E assim, a grande trama da solidariedade, da equidade e da inclusão formam o desenho da comunhão esperada pelos povos. Quiçá algumas folhas da árvore da vida dessa gente servirão para a cura dos povos.
Tirar a palavra AIDS do vocabulário dessa história interfere na tela produzida por tantas mãos. Aliás, na própria história. Somos mais do que um vírus ou sua consequência, é fato; agora, fazer calar as marcas no corpo e na alma produzidas pela AIDS é sucumbir ao invisível a que sempre tentaram nos colocar.
Somos vidas exalando vida. Tum, tum, tum… ecoando em toda terra o som do chamado para a peregrinação de cada dia. Muitas silenciam. Daí, fica a doce lembrança do encontro.
Homens, mulheres, velhos e novos com AIDS: fazem história, mudam história, vivem, adoecem, renascem, morrem, nascem. Eita gente viva!
(*) Nair Brito, para o VII ENCONTRO NACIONAL DA RNP+.
Fortaleza, Ceará, 19 a 22 de outubro de 2017.