Nova empreitada de Marcelo Queiroga busca favorecer planos de saúde e esvaziar o SUS. Dados sensíveis dos cidadãos podem ser entregues às operadoras. Proposta é ilegal e amplia desigualdades, dizem pesquisadores
A notícia sobressaltou aqueles que lutam pela saúde pública universal e gratuita. Ontem de manhã, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga, em entrevista ao Valor, afirmou que planeja criar, via Medida Provisória, o open health uma base de dados que contém todas as informações médicas dos cidadãos brasileiros, para “ampliar a concorrência no mercado de planos de saúde”. Com os dados abertos, as empresas poderiam oferecer planos mais baratos para aqueles clientes que “usam menos”. O ministro admite que a intenção, com a MP, é fazer os usuários migrarem do SUS, “sobrecarregado”, para a saúde privada.
Para Lígia Bahia, médica e pesquisadora, “Essa ideia é um contrabando, tem como pressuposto que a área da saúde é similar ao setor bancário. Uma transposição absurda”. De fato, Queiroga afirma que a proposta surgiu em conversa com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: “Por que a gente não usa uma plataforma como o ‘open banking’ pra facilitar a portabilidade?”, fantasiou o ministro, “Aí imagina numa plataforma como essa, em que você bota o CPF, aí aparece o seu plano e vários outros planos se encaixam no seu perfil e você aperta em cima [na tela do celular] e muda”.
“A ideia seria que os vendedores obtivessem dados sobre saúde e doença dos clientes, para ‘customizar’ produtos. Vender mais barato para saudáveis e muito caros para quem apresenta problemas de saude”, resume Lígia. Essa distorção viola, ainda, artigos importantes da Lei Geral de Proteção de Dados, que define que as operadoras de planos de saúde não podem fazer “seleção de riscos” na assistência à saúde – ou estipular seus valores a partir deles. Além disso, a permissão do uso de dados só pode ocorrer para o benefício do usuário. Essa análise é exposta na carta de posicionamento do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde, da UFRJ, coordenado por Lígia, em conjunto com o Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde, da USP, liderado por Mário Scheffer.
“Não é permitida a comercialização de planos ‘customizados’”, explica Lígia, “mas o que o ministro Queiroga propõe é facilitar o caminho para mudar a legislação por meio desse jogo de empurrar fatos”. E há, ainda, outro fator de grande preocupação. Um governo que já deu abundantes provas de que não se preocupa com a preservação dos dados pessoais dos cidadãos entregará, nas mãos de grandes empresas, informações sensíveis de Saúde de dezenas de milhões de usuários do SUS. “Dados sobre saúde devem ser coletados e processados por instituições públicas”, alerta Lígia. E tal proposta não compete ao Poder Executivo, relembra a carta dos pesquisadores da USP e UFRJ: “A eventual edição de Medida Provisória, mencionada pelo ministro, será imediatamente contestada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF)”.