Em 1995, durante a realização do V Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids, o “Vivendo”, organizado pelo Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro e Niterói, um grupo de 10 pessoas HIV+ se reuniram e decidiram criar uma rede de pessoas vivendo com HIV/aids, inspirados em outros coletivos internacionais.
Esse coletivo, que mais tarde passou a ser chamado de Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+Brasil), foi fundado por nomes conhecidos da luta contra aids no Brasil, como Jorge Beloqui e José Araújo Lima Filho, que já se foram, e Paulo Giacomini, Nair Brito e Jenice Pizão, que continuam na luta diária em defesa da vida e dos direitos das pessoas vivendo com HIV/aids.
A rede nasceu com um objetivo muito claro: reunir pessoas vivendo com HIV/aids, para o fortalecimento dos laços de solidariedade Brasil a fora, com capacitação política e técnica na formação de novas lideranças. Seu lema sempre foi: “nada sobre nós, sem nós”.
O resgate desta história, que começou há 28 anos, deu o tom ao 9º Encontro da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, que acontece em Fortaleza, no Ceará. Em diferentes momentos, os quase 100 participantes do evento concordaram que é preciso rememorar a trajetória das lutas e conquistas da RNP+Brasil para responder “que RNP+ queremos para o futuro”.
“O passado nos traz a solidariedade e a individualidade com o objetivo de coletivizar o desejo pela vida. O presente traz de um passado recente que a questão é estritamente política. A questão é política, mas antes é uma questão de vida e a vida coletiva sem a minha ou a sua não será a mesma coletividade com a minha ou a sua vida. E o acolhimento e o afeto e os corações das pessoas vivendo com HIV/aids”, disse emocionado o jornalista Paulo Giacomini, da RNP+, núcleo São Paulo.
Cledson Sampaio, da RNP+, núcleo Pará, quer a rede incidindo por uma política de aids equitativa e de qualidade. “Queremos campanhas educativas de massa, queremos financiamento para as atividades da sociedade civil, queremos continuar ocupando todos os espaços políticos. Eu quero ver a nossa história estampada em todos os lugares. Este encontro é um divisor de águas. Vai do enfraquecimento para o fortalecimento da RNP+.”
“Eu aprendi a ser um ativista, a minha história política começou na Rede de Jovens Vivendo com HIV, quando entrei na Secretaria de Comunicação da RNP+Brasil aprendi muito. Hoje, o meu sonho é a cura, por isso, vou continuar lutando junto a RNP+ do futuro. Quero que os meus pares se fortaleçam e lutem comigo”, disse João Cavalcante, da RNP+, núcleo Espírito Santo.
A representante da RNP+ no GT Unaids, Vanessa Campos, disse que o caminho para o fortalecimento passa pelo diálogo entre pares. “Precisamos voltar ao início. Acredito que a RNP+Brasil só vai se manter como referencial de luta e continuar protagonizando na luta contra a aids se a gente revisitar a nossa história. A comunicação desta rede precisa caminhar como uma referência nacional também para o acolhimento.”
Da Bahia, Moysés Toniolo chamou atenção para a defesa do SUS (Sistema Único de Saúde). “Temos que reconhecer o SUS como um patrimônio histórico e conquista cidadã. O SUS possibilitou ao Brasil estabelecer uma política de aids referência mundial, e com isso surgir o direito de viver com aids e com qualidade. Por isso, defendo tanto a nossa participação enquanto pessoas vivendo com HIV e aids nos conselhos de saúde. É nestes espaços que podemos monitorar o investimento na política de HIV/aids.”
Vando Oliveira convocou os membros da RNP+ a conhecerem a própria rede. “Temos uma carta de princípios. Vocês sabem o que diz este documento? Temos norteadores, essas coisas passam, mas não podem se perder. Sem conhecer a história, dificilmente vamos conseguir sentir o que o outro está sentindo em sua base. Somos uma rede nacional, mas ainda não entendemos que problemas locais também são do coletivo. Temos centenas de pessoas vivendo com HIV/aids cadastradas nesta rede. Estamos mesmo segurando na mão uns dos outros? O que realmente estamos fazendo para contribuir com a RNP+Brasil? A RNP+ somos todos nós, o futuro é amanhã. Acolher não é só falar, é fazer.”
O debate contou ainda com a presença do pernambucano Jair Brandão, que já foi membro da RNP+Brasil e hoje está no Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) como assessor da diretoria para articulação com os movimentos sociais. “Vivo com aids há 31 anos e não é porque estou no governo que deixei de ser uma pessoa vivendo. A gente quer a cura, mas não podemos nunca nos esquecer que a RNP+ é uma rede de pessoas e não de robôs. Para o futuro, a gente precisa repensar algumas questões, inclusive solidariedade e empatia, há especificidades dentro do coletivo. Vamos precisar ter quantas redes de pessoas vivendo com HIV/aids no país? Está na hora de fortalecer o movimento nacional de pessoas vivendo com HIV/aids. A RNP+ está mais do que adulta para voltar a protagonizar iniciativas que fortaleçam outras redes. Reconstruir é reavaliar, é refletir e rever. A pauta do acolhimento precisa voltar para o centro, sem falar do estigma e da discriminação.”
Jair finalizou sua fala com uma frase que ficou conhecido em 2001, no encontro em Pernambuco. “Antes nos escondíamos para morrer, hoje nos mostramos para viver. Quem me colocou neste lugar no governo foi a RNP+.”
Fabhyana Oliveira, da RNP+, núcleo Espírito Santo, disse que saiu há 9 anos de sua cidade natal, no Rio de Janeiro, e precisou se desconstruir para reaprender e continuar lutando. “Precisamos nos permitir nos desconstruir para seguir construindo uma rede solidária, que acolhe todas as populações.”
O debate antecedeu a plenária final do encontro e contou a participação de diferentes representantes do coletivo.
Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)
Fonte: Agência de Notícias da Aids