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02/08/2016

ECOS de Durban: ‘Testar e tratar’ não mostra impacto sobre novas infecções

Aumento de testes é viável, mas as pessoas diagnosticadas com HIV demoram para entrar nos serviços de tratamento

Roger Pebody: 23 de julho de 2016 (*)

O primeiro grande estudo de pesquisa da estratégia “testar e tratar” como intervenção de saúde pública a relatar resultados finais concluiu que a estratégia não conseguiu reduzir novas infecções por HIV nas comunidades onde foi executada. Em declarações à 21ª Conferência Internacional sobre AIDS (AIDS 2016), em Durban, África do Sul, François Dabis, da Universidade de Bordeaux, disse que a coleta de dados para o estudo ANRS 12249 só foi concluída há um mês. Por isso, sua equipe ainda não teve tempo de ir fundo na análise dos dados para explicar os resultados.

Mas, é evidente que muitas pessoas diagnosticadas com HIV não foram vinculadas aos serviços de saúde ou levaram muitos meses para fazê-lo. Apenas 49% dos indivíduos diagnosticados tomaram o tratamento.

O estudo foi muito mais bem sucedido em termos de trazer o teste de HIV para as pessoas que necessitavam dele – 92% das pessoas com HIV conheciam seu estado sorológico. E o tratamento foi altamente eficaz nas pessoas que o tomaram: 93% alcançaram uma carga viral indetectável. Estes resultados foram obtidos em uma área rural, pobre, de KwaZulu-Natal, África do Sul.

Por conseguinte, em termos das metas 90-90-90, o estudo alcançou 92-49-93. A fraqueza na fase crucial do meio pode explicar a falta de impacto sobre as novas infecções pelo HIV. Mas as razões para a fraca vinculação à assistência terão de ser decifradas.

Objetivo do estudo
O estudo ANRS 12249 visava descobrir qual é a eficácia de um tratamento para o HIV como intervenção de prevenção (TcP, ou tratamento como prevenção, como se conhece no Brasil) numa população em uma comunidade africana profundamente atingida pelo HIV.

Enquanto estudos como o HPTN052 e PARTNER examinaram o impacto do tratamento do HIV nos indivíduos e casais, este é o primeiro de cinco estudos randomizados em massa para examinar o impacto na população de ampliação do TcP ou “testagem e tratamento universais” em países africanos. O estudo também tinha como objetivo verificar se a abordagem era de realização viável e aceitável para as comunidades locais, mas o seu principal objetivo foi o de reduzir o número de novas infecções. Assim, o desfecho primário foi a incidência de HIV, medida na população em geral.

O estudo foi realizado no subdistrito de Hlabisa de KwaZulu-Natal. Localizado a três horas de carro de Durban, três em cada dez pessoas vivem com HIV no local – a maior prevalência na África do Sul e uma das mais altas do mundo. Estudos observacionais anteriores na área haviam mostrado que nos bairros em que mais pessoas com HIV tomavam seus medicamentos antirretrovirais, as novas infecções diminuíam. Logo, a pergunta que surgiu foi: um aumento do tratamento seria viável e melhoraria os resultados?

Desenho do estudo e intervenções
Este foi um estudo randomizado controlado de aglomerações populacionais, no qual a unidade de randomização foram áreas geográficas (aglomerações populacionais) de cerca de 1.000 habitantes cada uma. Houve 22 destas aglomerações na área estudada. Elas foram divididas em dois grupos, 11 grupos de intervenção e 11 grupos de controle.

A cada seis meses, foi oferecida a toda a população (em ambos os grupos) testes e aconselhamento para HIV em casa. Isso envolveu aconselhadores treinados indo de porta em porta, oferecendo testes para HIV nas casas das pessoas. Aos moradores maiores de 16 anos era oferecido o teste rápido e aconselhamento individuais, em um espaço confidencial dentro da casa.

A abordagem, já utilizada com sucesso na região, ajuda a superar algumas das barreiras de acesso aos serviços de testagem. Pode acessar aos indivíduos mais difíceis de se envolver com outras abordagens, incluindo adolescentes, residentes rurais e aqueles com acesso limitado ao sistema formal de saúde.

Posteriormente, foi oferecido tratamento imediato com antirretrovirais às pessoas diagnosticadas com HIV nos grupos de intervenção, independentemente dos sintomas ou da contagem de células CD4. Nos aglomerados de controle, os indivíduos diagnosticados com HIV receberam o tratamento antirretroviral conforme as diretrizes nacionais sul-africanas.

Quando o ensaio foi iniciado, em 2012, havia uma clara diferença entre a intervenção ‘testar e tratar’ e as diretrizes nacionais, que recomendavam tratamento para aquelas pessoas com uma contagem de células CD4 inferior a 350 células/mm3. No entanto, esse nível foi alterado em Janeiro de 2015 para 500 células/mm3. As diretrizes estão prestes a mudar novamente, para recomendar o tratamento para todos – como no grupo de intervenção.

É importante ressaltar que a única diferença entre os grupos de intervenção e os grupos de controle foi a elegibilidade para o tratamento do HIV. Em outros aspectos, houve poucas diferenças entre os grupos: o oferecimento do teste porta a porta aconteceu para todos os grupos; clínicas extramuros de tratamento de HIV (dentro de 45 minutos de caminhada de todas as casas) foram fornecidas para todos os grupos.

Assim, embora os investigadores descrevam a estratégia testada como “testagem e tratamento universais”, qualquer diferença que pudesse ter sido observada entre os grupos de intervenção e controle só seria devido à mudança de elegibilidade para o tratamento. Ao contrário de alguns outros estudos Testar e Tratar, o braço de intervenção não incluiu uma prestação mais intensa de testes de HIV ou mudanças adicionais que facilitassem o uso dos serviços médicos.

Resultados
No início do ensaio havia 28.153 pessoas na população em estudo. Foram recrutados menos homens (37%) do que mulheres (63%). A maioria das pessoas tinha entre 22 e 50 anos de idade, com uma idade mediana de 30 [mediana: valor que divide o grupo em duas metades. Neste caso, metade da população tinha menos de 30 anos e metade tinha mais de 30 anos].

Como esperado, 31% das pessoas já viviam com HIV. Apenas 34% destas estavam em tratamento para o HIV.

O programa de testes de porta a porta forneceu testes de HIV, pelo menos uma vez, a 88% das pessoas contatadas. A cada rodada, mais de 70% das pessoas contatadas aceitaram a oferta de repetição do teste. Mas, quando os indivíduos foram diagnosticados, a vinculação para o tratamento foi pobre:

a.     Três meses após o diagnóstico, 28% tinham frequentado uma clínica para tratamento antirretroviral;
b.     Seis meses após o diagnóstico, aumentou para 36%;
c.     Doze meses após o diagnóstico, foram alcançados 47%.

Esses números foram praticamente idênticos tanto para os grupos controle quanto para os grupo de intervenção. Mas, tal como previsto, muito mais pessoas nos grupos de intervenção (91%) do que nos grupos de controle (52%) iniciaram o tratamento do HIV logo após a vinculação à assistência. Quase todas as pessoas que iniciaram o tratamento alcançaram uma carga viral indetectável.

Em termos das metas 90-90-90, tanto o ‘primeiro 90’ e o ‘último 90’ foram alcançados e superados – tanto nas comunidades de intervenção como nas de controle. Mas, os resultados para o ‘segundo 90’, refletindo os números dos que começaram o tratamento, foram pobres:

1.     Proporção diagnosticada: 92,3% e 93,4% das pessoas com HIV nas comunidades com intervenção e nas comunidades de controle, respectivamente;
2.     Proporção de tratamento: 49,2% e 46,0% das pessoas diagnosticadas, em comunidades de intervenção e controle, respectivamente;
3.     Proporção com supressão viral: 93,4% e 93,6% das pessoas em tratamento, em comunidades de intervenção e controle, respectivamente.

Como resultado dos problemas na segunda etapa, apenas 42,4% das pessoas com HIV nas comunidades de intervenção e 40,2% das pessoas nas comunidades de controle tinham uma carga viral indetectável. (Se cada uma das metas 90 tivesse sido alcançada, 73% de todas as pessoas com HIV estariam com carga viral indetectável). É interessante notar a semelhança entre os resultados dos grupos de intervenção e de controle.

Resultados: novas infecções pelo HIV
No total, houve 495 novas infecções de HIV registradas, mais de 22.434 pessoas-anos de acompanhamento. Isso equivale a uma incidência anual de 2,21% (isto é, a cada ano, 2,21 pessoas em cada 100 adquiriram o HIV).

A incidência não diferiu entre as aglomerações de intervenção (2,13%) e as aglomerações de controle (2,27%) – essa diferença não é estatisticamente significativa.

“A estratégia de Testagem e Tratamento universal não teve nenhum efeito mensurável sobre a incidência do HIV ao longo do ensaio”, resumiu François Dabis.

No entanto, ele ressaltou duas “boas notícias” do estudo. Em primeiro lugar, houve boa aceitação da oferta de testagem repetida para o HIV em casa: quase todas as pessoas foram testadas pelo menos uma vez. Em segundo lugar, a resposta viral ao tratamento do HIV foi excelente nas pessoas que tomaram-no.

Explicando os resultados
Os resultados apresentados estavam em uma análise preliminar (a coleta de dados só foi concluída há um mês). Dabis disse que análises posteriores tentarão obter uma compreensão melhor de como os resultados diferem entre homens e mulheres, e para pessoas de diferentes idades.

Os pesquisadores tentarão esclarecer as razões pelas quais as pessoas não se vincularam à assistência – será que a explicação reside na forma em que os serviços de saúde são prestados, fatores individuais ou estigma na comunidade? Eles procurarão entender melhor as diferenças entre o perfil dos indivíduos acessados e não acessados pelas intervenções.

Durante a discussão, Myron Cohen, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), sugeriu que os atrasos na vinculação aos serviços de saúde poderiam resultar em que os indivíduos com infecção recente pelo HIV contribuíssem desproporcionalmente para a transmissão do HIV. Além disso, será importante compreender o impacto da migração e redes sexuais que escapavam à área do estudo, o que pode contribuir para novas infecções pelo HIV.

François Dabis disse que embora a hipótese do estudo fosse mostrar um efeito do TcP após quatro anos de acompanhamento, pode ser que este efeito demore mais tempo para ter um impacto sobre a incidência, à luz da lentidão da vinculação com a assistência.

Outros delegados sugeriram que os grupos de intervenção podem não ter recebido um pacote de intervenções suficientemente intensivas, em comparação com os grupos de controle. Por exemplo, uma abordagem mais intensiva para ajudar as pessoas na vinculação com a assistência, tal como a iniciação em casa do tratamento para o HIV poderia ter resultado em um impacto maior.

Barreiras Estruturais
Sheri Lippman, da Universidade da Califórnia (EUA), presidindo a sessão, comentou que pode ser necessário mais do que somente soluções técnicas para lidar com as barreiras estruturais que existem para o engajamento com a assistência.

Referência
Dabis F et al. The impact of universal test and treat on HIV incidence in a rural South African population: ANRS 12249 TasP trial, 2012-2016. 21st International AIDS Conference, Durban, abstract FRAC0105LB, 2016.

(*) Traduzido e adaptado por J. Beloqui (GIV, ABIA, RNP+)

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