Mulheres vivendo com HIV – que também ficam encurraladas nos papéis sociais definidos pela sociedade – ainda sofrem o agravante de conhecer seu diagnóstico em estágios avançados da aidds e são olhadas, muitas vezes, apenas como vetores de transmissão do HIV para seus bebês. Mas não sabe o mundo que elas lideram ações comunitárias e têm voz ativa, contribuindo para que, cada vez mais na América Latina, a saúde seja tratada a partir de uma perspectiva de gênero, algo essencial em uma região que não assegura os direitos humanos no geral e nega a nós, mulheres, nossos direitos sexuais, reprodutivos e produtivos. Aqui vivemos sob o medo da morte violenta, somos constantemente perseguidas pelos fundamentalistas religiosos e por uma cultura profundamente machista (marcada pelos altos índices de feminicídios), sob a tensão de sermos as mais afetadas pelas crises sociais e econômicas. Mas a isso, reagimos e construímos respostas.

Exemplo disso foram os compromissos assumidos pelos governos da América Latina e Caribe, no Consenso de Montevidéu, em 2013, quando organizações como a Gestos ajudaram a colocar nossa região na vanguarda global ao mostrar que não haverá desenvolvimento sem a igualdade de gênero e fizemos com que essa conferência regional, no âmbito das Organizações das Nações Unidas, pela primeira vez, reconhecesse a existência das mulheres trans, até então um grupo populacional ignorado pela ONU. Somos capazes de mudar as sociedades e por isso as fogueiras nos perseguem. O fato, ainda inaceitável para tantos, é que o mundo seria outro se as mulheres ocupassem a maioria dos cargos de decisão, como mostram dados trazidos pela Harvard Business Review que, em um levantamento de 2021 (feito por dois homens, inclusive), provou que somos líderes melhores durante as crises.

Certamente não viveríamos metade dos dramas que hoje afligem a humanidade, se estivéssemos onde deveríamos estar e cada vez mais as evidências atestam nossas competências. Mas esse reconhecimento não é um presente ou concessão, isso é uma conquista. Dura, árdua. E por isso, sem ilusões, escrevo sabendo que continuará cabendo a nós liderar a transição dessa sociedade que tem sido forçada a reconhecer formalmente nossos direitos, para uma que, de fato, nos trate com a igualdade e o respeito devido. Caberá a nós, mulheres e organizações feministas, incansavelmente, destruirmos cotidianamente essa cultura de privilégios substituindo-a, paulatinamente, por outra de igualdade. Seremos nós que continuaremos questionando essa economia ortodoxa, que, entre outras coisas, impõe uma distribuição injusta de poder entre homens e mulheres e nos sobrecarrega com toda a carga de trabalho de cuidado, que, ao mesmo tempo, é propositadamente invisibilizado.

Este 8 de março, portanto, é dia de falar da interdependência entre autonomia econômica e física – sexual e reprodutiva inclusive – como elementos centrais do desenvolvimento sustentável; e de também dizer que sim, mesmo a duras penas, avançaremos para sociedades mais justas e seguiremos subvertendo as desigualdades estruturais e interseccionais que nos aprisionam, reafirmando nosso lugar de direito em todas as esferas sociais. Que esta data seja para celebrar a nossa força e mostrar que a equidade e a igualdade de gênero nas políticas sociais, ambientais e econômicas são direitos fundamentais que precisamos ver refletidos nos orçamentos públicos, como recomenda a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e a própria Constituição Federal do Brasil.

Num país liderado por um governo misógino e sexista, hoje vale muito lembrar que a transformação da sociedade liderada pelas mulheres, ainda que demore a acontecer plenamente, é irreversível. Somos a maioria da população e não seremos silenciadas. Ao contrário, cada vez mais, e apesar de tudo e de todos, estamos já (re)evolucionando o mundo.

* Alessandra Nilo é jornalista e fundadora da ONG Gestos. 

** Artigo publicado originalmente no jornal Diário de Pernambuco.

Fonte Agência Aids