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31/08/2016

O fim do fim da AIDS

Por David Wilson e Marelize Gorgens (*)

A recente 21ª Conferência Internacional de AIDS (AIDS 2016), ocorrida em Durban em julho de 2016, comemorou o sucesso do tratamento da aids na redução da doença e da morte. A nuvem de desespero e dos desperdícios em mortes que pairava sobre a 13ª Conferência Internacional de AIDS ocorrida em Durban no ano 2000 foi realmente dissipada. Em KwaZulu-Natal, onde a Conferência foi realizada, o tratamento da aids tem aumentado a expectativa de vida da comunidade em 11 anos, revertendo décadas de declínio. Com efeito, a expectativa de vida em KwaZulu-Natal é maior hoje do que antes da epidemia de HIV. Este é sem dúvida um dos grandes sucessos da saúde global.

 

Publicado em 09/08/2016, originalmente em https://blogs.worldbank.org/health/end-end-aids

Traduzido e adaptado por J. Beloqui (GIV, ABIA, RNP+)

 

Uma avaliação do momento atual
Porém, o horizonte está escurecendo, e a tempestade cresce e se fortalece. A menos que equilibremos nossa celebração do sucesso do tratamento da aids com uma avaliação sóbria e uma resposta a estas ameaças, corremos o risco de uma perigosa reversão de ganhos.

A Conferência de 2016 forneceu evidência definitiva de que o financiamento internacional para o HIV caiu de US$ 8,6 bilhões em 2014 para US$ 7,5 bilhões em 2015. Além disso, o financiamento internacional é perigosamente dependente de um único doador, os Estados Unidos, que fornece dois terços de todo o financiamento internacional para o HIV. Um financiamento nacional e internacional mais amplo e diversificado atenuaria os riscos de tal concentração.

O compromisso político diminuiu e está mudando de poder para simbolismo. Congratulamo-nos com o papel que os príncipes, princesas, estrelas do rock e de cinema tiveram para aumentar a visibilidade da Conferência. Mas queríamos que mais chefes de governo, legisladores experientes, ministros de finanças e de desenvolvimento a tivessem assistido.

A incidência do HIV entre os adultos permanece tenazmente alta. Uma análise independente do IHME (sigla em inglês para Instituto para a Mensuração e Avaliação da Saúde, da Universidade de Seattle, nos EUA) mostra que as novas infecções pelo HIV estão se estabilizando em 2,5 milhões por ano, e 74 países experimentam um aumento nas novas infecções. Mesmo que a incidência do HIV se estabilizasse, o número absoluto de pessoas com HIV continuaria aumentando, porque a maior geração humana da história está exposta ao vírus.

AIDS 2016 marca o fim de “acabar com a epidemia de HIV” como uma meta viável com as ferramentas que temos. Precisamos de novas e melhores ferramentas. A conversa de acabar com a aids levou a uma percepção generalizada na comunidade mais ampla de saúde e desenvolvimento, de que esta crise acabou. Não acabou! Mas as exortações contínuas de que podemos acabar com a epidemia de aids com nosso arsenal atual podem comprometer ainda mais o reconhecimento global e compromisso para resolver esta epidemia.

 IHME de 2016
A Conferência de 2016 também ressalta as limitações do tratamento-como-prevenção (TcP – tratar a todos para o benefício da saúde pública de reduzir ainda mais a transmissão do HIV) como uma bala mágica no mundo real para acabar com esta epidemia. Num estudo randomizado de aglomerados populacionais em KwaZulu-Natal, o TcP não reduziu as novas infecções pelo HIV. Em Botsuana, Suazilândia e África do Sul, a incidência do HIV permanece tristemente alta, mesmo nos aproximando ou alcançando o ambicioso objetivo 90-90-90:

  1. 90% das pessoas com HIV conhecendo sua sorologia;
  2. 90% das pessoas que conhecem a sorologia em terapia antirretroviral;
  3. 90% das pessoas em terapia com supressão viral.

Sem menosprezar os efeitos transformadores do tratamento na redução da doença e morte por aids e na transmissão do HIV, está claro que não vamos acabar com esta epidemia com comprimidos. Nós nunca eliminamos uma epidemia global sem uma cura ou vacina, e o HIV não é exceção.

Precisamos ir além de palavras de ordem poderosas, em direção a uma focalização implacável sobre uma realidade complexa. As metas 90-90-90 têm sido um grito de guerra eficaz, mas sua progressão implícita para a cobertura e imunidade do rebanho não capta a complexidade da dinâmica da transmissão do HIV. Com efeito, isto nos obriga em primeiro lugar a alcançar – e depois reter – aqueles com infecção aguda, de alta carga viral e altas taxas de mudança de parceiro ou compartilhamento de seringas – muitos dos quais enfrentam múltiplas vulnerabilidades sobrepostas tanto sociais como de saúde. Precisamos de uma abordagem mais específica, diferenciada e abrangente para dar conta da complexidade epidemiológica, social e de implementação.

O que podemos melhorar para navegar no vendaval que enfrentamos?
Precisamos sustentar o financiamento internacional para o HIV – os países não estão preparados para uma transição abrupta.

Porém, devemos redobrar os nossos esforços para integrar o HIV na arquitetura mais vasta do desenvolvimento da assistência à saúde, uma área em que o Banco [Mundial] tem um papel importante a desempenhar. Temos de nos concentrar em maior financiamento interno e combater o deslocamento destes fundos. Muitos países responderam ao aumento do financiamento da saúde global reduzindo o investimento doméstico: isso não pode continuar!

Devemos acelerar a evolução de uma resposta de curto prazo e de emergência, para uma resposta de desenvolvimento sustentado, onde o HIV esteja dentro do orçamento e integrado nos planos nacionais e orçamentos e coberturas de saúde universal (UHC) e sistemas de saúde – uma área onde o Banco [Mundial] tem igualmente um papel fundamental.

Precisamos manter o compromisso internacional, enquanto construímos veículos nacionais duradouros – a resposta ao HIV será uma viagem longa, não um pulo. Idealmente, o apoio internacional para o HIV deve fornecer os turbocompressores e impulsionadores da resposta global, e não as rodas e os chassis.

Precisamos fortalecer nosso foco sobre os determinantes sociais e estruturais da transmissão do HIV. O ensino secundário, renda, maior oportunidade econômica e compartilhada, e o crescimento com inclusão [social] reforçam a prevenção do HIV – e são prioridades centrais do Banco [Mundial].

Os programas de prevenção do HIV também devem expandir seu foco em metas para incluir preocupações associadas, tais como a gravidez não planejada na adolescência.

Devemos repensar a prevenção do HIV – não há bons resultados se não fecharem a torneira de novas infecções pelo HIV. É necessário revitalizar a prevenção abrangente, incluindo prevenção baseada na terapia antirretroviral (TAR), prevenção nas populações-chave e circuncisão masculina na África Oriental e Austral, reforçada pela educação mais ampla, a proteção social e as intervenções estruturais lideradas por outros setores.

Temos de encontrar novas formas de comprometer chefes de governo e ministros de finanças e desenvolvimento: eles podem pensar que a crise do HIV terminou e podem não compreender as implicações de longo prazo de uma epidemia, tanto financeiras como de desenvolvimento, onde novas infecções pelo HIV permanecem teimosamente altas e os custos do tratamento sobem inexoravelmente.

Não há nenhuma bala mágica, mas nós temos uma aljava de flechas parcialmente eficazes, que se direcionadas, implantadas e implementadas na escala adequada e em conjunto, vão desacelerar as novas infecções.

Ao tempo em que abraçamos a promessa inquestionável da profilaxia pré-exposição sexual (PrEP), devemos prestar atenção às lições do TcP e resistir às ilusões de uma nova bala mágica.

Precisamos de prioridades mais diferenciadas de implementação da prevenção que acompanhem a dinâmica da transmissão do HIV – e as complexidades de implementação concomitantes e as realidades da implementação parcial, desigual, misturada, variável e, por vezes, lenta. Nós também precisamos redobrar nossos investimentos em novas tecnologias de prevenção, incluindo o anel vaginal, antirretrovirais de ação prolongada e implantáveis e, acima de tudo, uma vacina.

Conclusão
A Conferência de 2016 esteve felizmente livre da escuridão de 16 anos atrás. No entanto, o clima foi também sombrio, pois estamos diante de uma verdade decepcionante. A ciência foi sobrepassada pelas palavras de ordem, e criou-se a expectativa irreal de que temos as ferramentas para acabar com a aids. Na realidade, estamos diante de uma luta longa contra um vírus obstinado.

Devemos revitalizar o compromisso internacional contra o HIV e o financiamento, paralelamente ao aumento do financiamento interno, integrar o HIV nos orçamentos nacionais e sistemas de saúde, intensificar as intervenções de prevenção abrangentes e pesquisa e redobrar o nosso foco na implementação em grande escala, baseada na complexidade da dinâmica de transmissão do HIV e na confusão inerente aos desafios operacionais do mundo real.

O notável sucesso do tratamento da Aids continua a ganhar tempo, que deve ser utilizado para implementar a prevenção abrangente, em escala adequada e buscar as novas ferramentas científicas que precisamos para vislumbrar um fim para a aids. Devemos abraçar esta oportunidade com urgência renovada, propósito e apreensão perante a enormidade do caminho ainda a ser percorrido.

(*) David Wilson é o Diretor do Programa Global de AIDS do Banco Mundial; Marelize Gorgens é funcionária do Banco Mundial

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