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29/05/2017

PVHA com CD4 acima de 350 cel/ml um ano após início da terapia têm expectativa de vida quase normal

Há evidências de redução substancial da mortalidade observada no primeiro ano após o início do tratamento, para pessoas que o iniciaram após 2008

Por Gus Cairns

Traduzido e adaptado por J. Beloqui (GIV, ABIA, RNP+)

Um grande estudo com 88.504 pessoas com HIV sobre terapia antirretroviral (TAR), publicado na revista científica The Lancet e amplamente divulgado, encontrou melhorias substanciais na expectativa de vida em pessoas com HIV que iniciaram TAR depois de 2008, mesmo em seu primeiro ano de vida de terapia. As pessoas que iniciaram TAR entre 2008 e 2010 e que haviam atingido contagens de CD4 acima de 350 células/mm3 até o final do primeiro ano de terapia tiveram expectativa de vida aproximando-se da normal.

O que este estudo analisou – e o que não

As 88.504 pessoas estudadas foram retiradas de 18 diferentes coortes de pacientes. Uma em toda a Europa (a coorte EuroSIDA), quatro nos EUA, duas em França, Espanha e Canadá, e uma em Itália, Suíça, Holanda, Reino Unido, Dinamarca, Áustria e Alemanha. Em alguns países, incluindo a França, a Dinamarca e a Suíça, as coortes constituem a maioria das pessoas com HIV nesses países. Em outros, elas apenas formam uma proporção relativamente pequena. No entanto, os pesquisadores acreditam que seus achados refletem a população HIV-positiva tratada em geral [N.do T.: destes países].

O estudo foi realizado pela Colaboração de Coortes para Terapia Antirretroviral, um grande grupo de pesquisadores de vários países das coortes, e foi financiado pelo Conselho de Pesquisa Médica do Reino Unido, pelo Departamento de Desenvolvimento Ultramarino do Reino Unido e pela União Europeia. A versão preliminar foi de Adam Trickey, Margaret May e Jonathan Sterne, da Universidade de Bristol, no Reino Unido.

A diferença entre este estudo e os anteriores sobre expectativa de vida das pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA), foi que ele só analisou a mortalidade nos três primeiros anos após o início da TAR, e não na mortalidade subsequente. Isso porque o objetivo dos pesquisadores era padronizar o tempo de TAR para poder comparar a mortalidade nos três primeiros anos de TAR e a consequente expectativa de vida em pessoas que a iniciaram em quatro períodos de tempo: 1996-99, 2000-03, 2004-07 e 2008-10.

A vantagem deste método é que ele pode medir melhorias do efeito da TAR sobre a saúde ao longo do tempo com maior precisão. A desvantagem é que este estudo não pode documentar melhorias na sobrevivência ao longo do tempo como uma consequência do tratamento melhorado em pessoas que podem ter iniciado TAR entre 10 a 20 anos atrás e permaneceram nela desde então.

Resultados

O estudo, como alguns outros anteriores, constatou que a expectativa de vida, pelo menos em pessoas no segundo e terceiro anos de TAR, aumentou substancialmente em cada período estudado desde o final dos anos 90. As pessoas que ainda estavam vivas um ano após o início da TAR entre 2008 e 2010 foram 43% menos propensas a morrer em seu segundo e terceiro anos em TAR em comparação com aquelas que começaram entre 2000 e 2003 e 53% menos provável do que aquelas que iniciaram entre 1996 e 1999.

No entanto, uma alta proporção de mortes em pessoas com HIV em TAR está concentrada no primeiro ano em que as contagens de CD4 das pessoas ainda podem ser baixas. A nova descoberta neste estudo foi a de que, nas pessoas que iniciaram a TAR após 2008, a mortalidade mesmo neste primeiro ano de TAR foi significativamente menor (29%) em relação às pessoas que iniciaram em períodos anteriores. Antes de 2008, não houve melhora na mortalidade no primeiro ano desde que a TAR se tornou disponível em 1996.

Os pesquisadores descobriram que as pessoas que começaram a terapia após 2008, que ainda estavam vivas e cujas contagens de CD4 estavam acima do nível relativamente modesto de 350 células/mm3 um ano após o início da TAR, agora tinham uma expectativa de vida de 58 anos aos 20 anos ou, em outras palavras, uma expectativa de vida de 78 anos.

Esta é a mesma expectativa de vida que a população masculina geral nos EUA e apenas um ano a menos do que a população masculina geral da França, o país com o maior número de pessoas no estudo. No entanto, as mulheres em TAR continuavam com uma expectativa de vida inferior em quatro anos à da população feminina nos Estados Unidos e sete anos inferior à das mulheres na França, uma vez que a expectativa de vida feminina na população geral é mais elevada. A expectativa de vida em mulheres em TAR na Europa foi, na verdade, três meses melhor do que nos homens. Nos EUA se deu o caso inverso, com expectativa de vida 2,7 anos melhor em homens do que mulheres, o que provavelmente reflete que uma maior proporção de mulheres é de etnia negra ou de outras minorias étnicas.

A mortalidade durante o primeiro ano de TAR, embora muito melhorada, ainda é consideravelmente superior à população em geral. O “déficit de expectativa de vida” em comparação com a população em geral durante o seu primeiro ano em TAR é de 11,4 anos em homens europeus, 12,1 anos em homens dos EUA, 17,1 anos em mulheres europeias e 18,8 anos em mulheres dos EUA.

Os pesquisadores também descobriram que as melhoras na expectativa de vida foram apenas parcialmente devido aos efeitos diretos da TAR na redução da carga viral e aumento da contagem de células CD4. Eles ajustaram por carga viral e contagens de células CD4 um ano após o início da TAR após 2008, e ainda constataram uma redução de 20% na mortalidade nos anos dois e três em relação às pessoas que iniciaram a terapia antirretroviral entre 2000 e 2003, e uma redução de 29% em comparação com as pessoas que começaram a terapia antirretroviral no final dos anos 90. O que isto significa é que metade da redução da mortalidade observada não foi diretamente devida à TAR, mas devido a reduções nas doenças não relacionadas com a AIDS, melhores cuidados médicos em geral e reduções mesmo das chamadas “mortes não naturais” como suicídio e violência.

Embora as pessoas classificadas como usuárias de drogas injetáveis no momento do diagnóstico constituíram o grupo que não experimentou melhorias na mortalidade, as pessoas que injetam drogas formaram uma proporção menor da população HIV-positiva nos últimos anos. Isto pode ter também resultado numa redução das mortes por overdose, também classificadas como mortes não naturais. Em todos os outros grupos, incluindo mulheres e heterossexuais e homens gays, as quedas na mortalidade e melhoras na expectativa de vida foram semelhantes.

No entanto, só os europeus foram subdivididos segundo grupos de transmissão, porque nos Estados Unidos, os informes sobre a rota de transmissão dos pacientes são incompletos. Outros fatores que podem ter contribuído para a queda na mortalidade, além da TAR, são as reduções nos últimos anos da proporção de pessoas que iniciam terapia e vieram da África Subsaariana e, portanto, na proporção de pessoas afetadas pela tuberculose (TB) e alguns pacientes com diagnóstico muito tardio.

O fígado e as mortes cardiovasculares caem mais

A causa da morte isolada que teve a maior queda no segundo e terceiro ano após o início de TAR foi a doença hepática, que caiu em 85% entre os que começaram a TAR entre 2008 e 2010 comparado com os que iniciaram em 2000-03 e 70% em relação às pessoas que começaram em 2004-07. Isto pode refletir melhores taxas de diagnóstico e melhores terapias para as pessoas com hepatite B e C nos últimos anos.

Ainda mais encorajador, a causa de morte que teve a maior queda no primeiro ano de TAR foi a doença cardiovascular, que caiu 81% nas pessoas iniciando a TAR em 2008-10 em relação àquelas iniciando em 2000-03 e caiu em 74% em relação àquelas iniciadas em 2004-07.

Os pesquisadores acreditam que isso se deve a uma combinação de fatores: melhor monitoramento do risco cardiovascular dos pacientes, menos medicamentos antirretrovirais que interagem com as estatinas e, portanto, maior prescrição das estatinas, e menor uso de abacavir, que é associado a ataques cardíacos em pessoas que já têm risco maior que a média.

Em geral, os pesquisadores comentam que as tendências refletem agentes antirretrovirais superiores, mais opções para pessoas que desenvolvem resistência, menos interações medicamentosas, melhor gerenciamento de infecções oportunistas e doenças crônicas e a introdução de programas de rastreio e prevenção de comorbidades em pessoas que beneficiaram-se do tratamento.

Eles também sugerem que tem havido um processo benigno em que, como os médicos agora esperam que as pessoas com HIV vivam uma vida normal, eles monitoram e tratam melhor as condições associadas à idade, incluindo doenças cardiovasculares, câncer relacionado à idade, demência e diabetes tipo 2. E também pode ser mais provável que apoiem as pessoas em fazer escolhas que prolongam a vida, como parar de fumar.

Os pesquisadores também ressaltam que este estudo só analisa a mortalidade em pessoas que tomam TAR, “enquanto a maioria das mortes em pessoas com infecção pelo HIV ocorrem na população não tratada”.

Referência

The Antiretroviral Therapy Cohort Collaboration. Survival of HIV-positive patients starting antiretroviral therapy between 1996 and 2013; a collaborative analysis of cohort studies. The Lancet, online publication 10 May 2017. Acesse em http://dx.doi.org/10.1016/S2352-3018(17)30066-8.

 

 

Melhora da expectativa de vida das PVHA não abrange todas as PVHA

Comentário publicado em The Lancet sobre o estudo anterior

Traduzido e adaptado do artigo publicado em The Lancet por J. Beloqui

A introdução da terapia antirretroviral (TAR) combinada tem sido uma das grandes histórias de sucesso de saúde pública dos últimos 40 anos. A TAR levou ao aumento da sobrevida em pessoas vivendo com HIV e, posteriormente, a ganhos individuais e sociais em todo o mundo, devido às marcadas melhorias em sua potência, perfil de efeitos colaterais e simplicidade de uso. Resultados do ensaio HPTN 052 demonstraram claramente a eficácia da TAR na prevenção da transmissão, enquanto que os estudos TEMPRANO e START demonstraram que a iniciação precoce da TAR reduz o risco de doenças clínicas graves, o desenvolvimento da AIDS e a morte.

Apesar dessas melhoras, os estudos de coorte mostram uma pequena, mas persistente, lacuna na expectativa de vida entre indivíduos HIV-positivos e HIV-negativos, particularmente nas principais populações afetadas. Dados recentes de NA-ACCORD mostraram que uma pessoa de 20 anos de idade, HIV-positiva, usando TAR nos EUA ou Canadá, tem uma expectativa de vida aproximando-se daquela da população geral. Mas esse benefício não é compartilhado por todos. Especificamente, indivíduos que não são brancos, têm história de uso de drogas injetáveis ou iniciaram tratamento antirretroviral com baixas contagens de células CD4 não têm redução na mortalidade ou melhorias na expectativa de vida.

Em The Lancet HIV, a Colaboração de Coortes de Terapia Antirretroviral (TAR-CC) expande esses achados em um período de tempo mais longo usando dados retrospectivos de uma das maiores colaborações da Europa e América do Norte. Analogamente à coorte NA-ACCORD, a TAR-CC encontrou melhoras substanciais na redução da mortalidade e no aumento da expectativa de vida em pacientes HIV-positivos iniciando TAR. O grupo TAR-CC acredita que essas tendências refletem:

  1. o acesso a agentes antirretrovirais superiores,
  2. mais opções para os pacientes que desenvolveram resistência,
  3. menos interações medicamentosas,
  4. melhor manejo de infecções oportunistas e doenças crônicas e
  5. introdução de programas de triagem e prevenção de comorbidades em pacientes que se beneficiaram do tratamento.

No entanto, a expectativa de vida permanece menor nas pessoas vivendo com HIV do que na população geral, e há pouca evidência de redução da mortalidade em pessoas que injetam drogas.

Em países no centro da epidemia, na África Subsaariana, os pesquisadores descobriram que a mortalidade em pessoas vivendo com HIV que estão recebendo tratamento diminuiu para níveis semelhantes aos descritos em coortes norte-americanas participantes. Além disso, dados recentes comprovam que as PVHA em países como a África do Sul podem ter uma expectativa de vida quase normal, supondo que iniciem a TAR antes que a contagem de CD4 fique abaixo de 200 células por μL.

Embora esses resultados sugiram que os resultados de coortes em países de alta renda possam ser aplicados para os países de rendas baixa e média, eles podem não ser generalizáveis para países onde o acesso à TAR é limitado, e permanecem desafios para todas as PVHA para ter acesso ao tratamento precoce e permanecer na assistência.

A preocupação é maior nas populações mais vulneráveis do mundo, que incluem pessoas que injetam drogas na Europa e na América do Norte e indivíduos que vivem em contextos de recursos limitados em todo o mundo, onde o acesso ao início da TAR é limitado.

Para além das múltiplas barreiras estruturais e da persistência do estigma relacionado com o HIV, a era anterior das medicações de qualidade inferior e os fracos resultados para os doentes deixaram um legado que será difícil de superar. O medo de efeitos colaterais relacionados à medicação é uma barreira psicossocial importante para o início do tratamento e tem levado a preocupações de que a TAR possa causar uma doença no paciente. Além disso, as restrições em muitas regiões sobre a disponibilidade de TAR para indivíduos com contagens baixas de células CD4, criaram uma percepção de que a TAR é reservada para indivíduos que estão doentes.

Estas barreiras psicossociais ameaçam minar os benefícios terapêuticos e preventivos da TAR na era do Testar e Tratar.

Saúde e retenção nos serviços

A perda de acompanhamento e tratamento é tipicamente maior em indivíduos mais saudáveis e, como mostra o estudo TAR-CC, a saúde também está negativamente associada à retenção em TAR.

À medida que os esforços forem intensificados para detectar pacientes assintomáticos, o desafio será vincular esses indivíduos ao tratamento e otimizar a adesão. São necessárias intervenções para aumentar a conscientização sobre os muitos benefícios positivos da iniciação precoce da TAR e para dissipar os receios de toxicidade de medicamentos, especialmente em indivíduos que se sentem saudáveis e possam perceber que a TAR coloca mais um risco imediato do que um benefício.

Conclusão

Conforme ressalta o grupo TAR-CC, apesar de que no futuro a maioria dos pacientes diagnosticados com HIV provavelmente inicie imediatamente a terapia antirretroviral (tanto para sua própria saúde como para prevenir a transmissão para outros), esta abordagem só resultará em uma melhor sobrevida se os problemas do diagnóstico tardio e do acesso aos cuidados forem abordados. Embora a informação sobre a expectativa de vida melhorada em PVHA possa motivar indivíduos em risco a se testarem para o HIV ou convencer as PVHA a começar a TAR imediatamente, os dados atuais nestas populações sugerem que o conhecimento sozinho poderia não proporcionar um incentivo adequado para ultrapassar outros obstáculos à iniciação à terapia antirretroviral e à adesão a longo prazo.

Referência

Katz IT and Maughan-Brown B. Improved life expectancy of people living with HIV: who is left behind? The Lancet, online publication 10 May 2017. Acesse em http://dx.doi.org/10.1016/S2352-3018(17)30086-3

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